Vida nocturna dos animaes nas florestas do Novo Mundo por Humboldt. Se o sentimento da natureza cuja vivacidade varia em todas as raças, se a phisionomia dos paizes que habitão diversos po@os ou que estes tem atravessado on- @@ ora em suas emigrações, tem mais on menos enrequecido as linguas com expresões pitorescas, proprias a carecterisar as formas das montanhas, o estado da vegetação, o aspecto da atmosphera, o contorno e agrupamento das un vens, por ontro lado o longo uso e os caprichos litterarios tem alterado a significação primitiva de grande numero dessas expressões. Pouco a pouco nos acos- @mamos a considerar sinonimos termos que devião conservar um sentido distincto, e as linguas perdem alguma cousa de sua graça e energia que as ajudavão a reproduzir, na discripção da natureza, o caracter proprio das paisagens. Para mostrar quanto o commercio intimo da natureza, e as necessidades da vida nommada, dão riqueza as linguas recordarei apenas o numero inlimto de expressões caracteristicas que distinguem no ara@e e no persa, as planicies, os steppes e os desertos, segundo o sólo é completamente nú ou coberto de aréa, iriçado de rochedos e entrecortado de pastagens, ou que @erece vastos espaços uniformemente cobertos de plantas sociaes. Igualmente admiraveis são as numerosas expressões que nos antigos idiomas castelhanos, pintão a phisionomia das massas de montanhas, praticularmente as formas que reproduzem em todas regiões e revelão a natureza das revas a uma distancia consideravel. As populações que vivem nos declives dos Andes, na parte montanhosa das ilhas Canarias, das Antilhas e das Philippinas, são de origem hespanhola e estes paizes são daquelles em que a configuração do solo influe mais energicamente, se exceptuar-se talvez o Himalaia e as planicies do Tibet, sobre o genero de vida das habitantes. Tambem as expresões destinadas a pintar a comfiguração das montanhas, segundo são formadas de trachites, basalto, e porphiro, ou de schisto, calcario e greda se tem conservado felizmente no uso quotidiano da converça. Conservando suas an@gas riquezas, estas linguas favorecidas fazem aquisições que se vem juntar aothesouro com@@. Tudo o que tende a reproduzir a verdade da natureza dá uma nova vida a linguagem, quer se busque descrever a impressão sensivel produzida em nós pelo mundo extenso, ou nossos sentimentos intimos e as profondezas em que se agitão nossos pensamentos. a pesquiza constante desta verdade da natureza é o @@ de toda a descripção que tem a natureza por objecto. E necessario para ahi tender incessantemente, seja por melhor se penetrar no conhecimento dos phenomenos, seja para ecolher, descrevendo-os, a expressão caracteristica. O melhor meio de alcançar este escopo, é que o observador aquelle que sentio a impressão por si mesmo, a narre simplesmente, e circumserevae particularise o lugar ou as circumstancias ás quaes se prende sua narração. As grandes leis da phisica, os resultados geraes da experiencia fazem parte da doutrina do Cosmos e esta doutrina não passa para nós, diziendo a verdade, d’uma sciencia de indenção: mas onde buscar os elementos della, senão na descripção dos corpos organicos, animaes ou plantas, se desenvolvendo como um fragmento da vida universal, no meio dos diversos accidentes da superficie terrestre, nas circumstancias da paisage me lugar em que a natureza os colloco@? Elevados a altura de obras d’arte, e applicadas ás grandes scenas da natureza, estas descripções communicão ao espirito uma impulsão fecunda. O paiz florestal que se estende na zona torrrida da America meridional e enche as duas bacias que se unem do Orenoco e do Amazonas, offerce seguramente uma dessas grandes scenas da natureza. Este paiz merece, na accepção rigorosa do termo, o nome de floresta primimtiva de que tanto se tem abusado em nossos dias. As denominações de florestas primitivas de tempos ou de povos primitivos, offerecem idéas por demais vagas, e não tem um sentido absoluto. Dever-se-hachamar floresta primitiva ou floresta virgem, toda especie de matta fechada e selvagem, cheia de arvores vigorosas sobre as quaes o homem nunca levanton sua mão destruidora? Este nome pode convir a um grande numero de paizes diversos, sob a zona temperada e mesmo sob a zona glacial. Mas se se busca sobre tudo designar por um nome a impenetrabilidade de uma extensa matta, a impossibilidade de abrir uma vereda com o machado por entre arvores que não tem enos de oito a doze pés de diametro, então as florestas virgens só pertencem ás regiões propicaes. Não se crea que sejão sempre, como se diz na Europa, os cipós trepadores que pelos entrelaçamentos de seus ramos tornem impenetraveis as florestas visinhas do equador. Os cipós não formão muitas vezes senão uma muito fraca porção de gravetos. O obstaculo principal vem das plantas arborecentes que não deixão espaço algum vasio, em um paiz em que todos os vegetaes que cobrem o solo tornão-se leuhosos. Se um viajantante, logo que chega sob os tropicos e bão só no continente como tambem nas ilhas, se crè, antes mesom de se affastardas costas, trans- portado no meio de mattas vergens, se@ erro não pode provir senão da impacienciade ver um longo desejoj realisado. Nem todas as mattas tropicaes são florestas virgens. Nunca me servi desta palavra na relação historica de minha viagem; e entretanto para fallar de homens que ainda vivem, creio ser com Bonpland, Martins, Pœppig, Roberto e Ricard Schomburgk, um dos observadores da natureza que mais tem vivido no meio de mattas virgens, encerrados no coração de um vasto continente. (Continúa.) Vida nocturna dos animaes nas florestas do Novo Mundo por Humboldt. (Continuado do n. 20.) Apezar da admiravel riqueza da lingua hespanhola em termos descriptivos, riqueza que já fiz notar, uma só e mesma palavra—monte—designa ao mesmo tempo a montanha e a floresta, e se emprega como synonimo de cerro e de selva. Em um trabalho sobre a verdadeira largura e sobre o maior prolongamento oriental da cadêa dos Andes, tenho feito ver quanto por causa desta dupla significaçào do termo—monte—uma costa ingleza da America meridional, bella entretanto e assaz derramada, tem convertido planicies em altas montanhas. Nos lugares em que a costa hespanhola de La Cruz Olmedilla, que tem servido de base a tantas outras, indicava florestas de Cacáo—montes de Cacáo—se fez surgir Cordilheiras, hem que o cacaoeiro busque o calor ardente dos logares baixos. Se se abraça com uma vista d’olhos a região florestal que occupa toda a America meridional, desde os Slanos de Cozacos até os Pampas de Buenos-Ayres entre o 8 gráo de latitude borsial; e 19 gráo de latitude austral se reconhece que nenhuma floresta sobre a superficie da terra pode ser comparada, pela extensão a esses Hylda não interrompidos da zona tropical. Apresentão quasi doze vezes a superficie da Allemanha. Cortados em todos os sentidos por immensos rios, cujos affluentes de primeira e segunda ordem rolão algumas vezes agoas mais abundantes que o Danubio e o Rheno, devem a admiravel riqueza de sua vegetação ao duplo beneficio da humidade e do calor. Na zona temperada particularmente na Europa e no Norte da Azia, certas especies de arvores crescem em sociedade (plantæ saciales) e formão por si sós florestas que se podem designar por seu nome especifico. Nas florestas de carvalhos, pinheiros, e betulas que cobrem os paizes do Norte, nas florestas de tilias de Oriente, reina ordinariamente uma especie unica de Amentacéas, de Coniferas ou de Tiliacéas. Entretanto algumas vezes arvores de folhas alinearias são entremeados de arvores de largas folhas. Esta sociedade uniforme é estranha ás florestas tropicaes. A variedade infinita de flores que se abrem nessas Hylda não permitte reconhecer de que se compõe as mattas virgens. Uma quantidade imnumeravel de familias diversas, se levantão misturadamente, mesmo nos mais pequenos espaços, é raro ver reunidas arvores da mesma familia. Cada dia a proporção que o viajante caminha, descobre formas novas; muitas vezes as folhas e ramificações d’uma arvore attrahe sua attenção sem que elle possa distinguir suas flores. Os rios e seus confluentes imnumeraveis são os unicos caminhos desses paizes, se tem reconhecido muitas vezes, com auxilio de observações astronomicas, ou quando estas faltão, determinando com a bussola a curva dos rios, que entre o Oreno com o Cassiquiare e o Rio Negro, existe em muitos logares, separados apenas por algumas leguas, duas missões cujos missionarios não podem se visitar senão gastando mais d’um dia a seguir em canoas formadas de troncos de arvores as sincosidades dos rios. Para se demonstrar a que ponto são impenetraveis certas partes das florestas, basta tomar um traço da vida do grande tigre americano ou Jaguar. Em quanto. graças a introducção do gado européu, os cavallos e os machos—os animaes carniceiros achão um alimento abundante nos Llanos, Pampas e planiceis, sem arvores de Varinas, Meta e Buenos-Ayres e hão multiplicado consideravelmente, desde a descoberta da America, attacando os rebanhos com armas desiguaes, outros individuos da mesma familia passão uma vida miseravel no amago das florestas, junto as fontes do Orenoco. Afflictos com a perda d’um grande dogue, o mais fiel e o mais devotado de nossos companheiros, que tinha desaparecido d’um bivouac perto do confluente do Cossiquiariare e do Orenoco, suspeitando, sem sabel-o, que elle havia sido despedaçado pelos tigres, nos decedimos, livrando-nos das legiões de insectos que nos tinhão assaltado na missão de Esmeralda, a passar uma noite nos lugares em que tinhamos em vão e por muito tempo procurado nosso cão. Ouvimos de novo, a pequena distancia o grito de Jaguares, daquelles talvez que fossem os que houvesse commettido o mal. Como o céo estivesse nubuloso e não permittisse observar as estrellas, fisemos traduzir por nosso interprete (languaraz) o que disião dos tigres da floresta os indigenas que nos servião de remadores. Entre esses tigres se encontra frequentemente a especie chamada Jaguaz negro, o maior e mais sanguinario de todos, cujas nodoas negras mal se distingue sobre um pélo pardo-escuro. O Jaguaz vive nas faldas dos montes Maraguaca e Unturano. Arrastados por sua avidez e desejo do mudar de sitio, estes animaes, segundo nos contou um indio da aldeia de Dorimonds, se perdem algumas vezes em lugares das florestas de tal forma enredados que elles não podem perseguir a presa no chão, de sorte que tornando-se o espanto dos macacos e Kinkajous de caudas laçadoras (cerislepts) ficão redusidos a viver sobre as arvores durante longos espaços de tempo. O jornal que out’ora escrevi em allemão, e a que tomo estes detalhes, não passou inteiramente para a relação em francez de minha viagem. Contem uma descripção detalhada da vida, poderia dizer das voses nocturna dos animaes nas floressas tropicas. Uma semelhante descripcão me parece apropriada a um livro que tem por titulo—Quadros da naturezapasso pois a transcrevel-a aqui. Uma narração feita a vista do mesmo phenomeno, ou pelo menos pouco depois de recebida e impressão deve ter mais frescura e vida que o echo d’uma lembrança longiqua. Chegamos ao leito do Orenoco, descendo do Oeste a leste o Rio Apuré, de cujas chêas tenho fallado no quadro dos steppes e desertos. Estavamos em tempo das pequenas agoas ou marés, o Apuré tinha apenas mil e dusentos pés de largura media, em quanto que buscando a largura do Orenoco, na confluencia dos dois rios, perto da pequena montanha de granito de Curiquima, onde podendo medir uma base trigonomotrisa, achei ainda mais de onze mil quatrocentos e trinta pés. Entretanto do rochedo de Curiquima até o mar e alem do Orenoco, se conta em linha réta mais de cento e sessenta legoas. Uma parte das planices que atravessão o Apuré e o Payara são habitadas pelas raças dos Jarmos e Achaguás nas missões, estes povos são chamados selvagens porque querem viver independentes; mais elles estão bem perto, na escola da civilisação, daquelles que baptisados e vivendo sob o sino (baixo la campana) ficam estranhos a toda especie de instrucção e aperfeiçoamento! Depois de ter passado a ilha del Diamante, na qual os Zambos que fallam a lingua hespanhola cultivão a cana, se entra em uma grande e selvagem natureza. O ar estava cheio de innumeraveis Flamingos (Phœnicopterus) e outros passaros aquaticos que se destacavão do asul do ceo, como uma nuvem espessa cujos contornos variavão sem cessar. O rio se estreitava a ponto de não ter mais que novecentos pés de largo e correndo direito diante de si sem nenhum rodeio, formava uma especie de canal, assombriados ambos os lados por espessas florestas, cujas raias offerecem um aspecto não visto. Diante do muro quasi impenetravel, formado pelos troncos gigantescos da Cesalpina, dos Cedros, dos Desmanthus se eleva sobre a margem arenosa do rio, uma sebe pela alta, mais muito regular de Sanso. Esta sebe não chega ter quatro pés de alto; ella é formada por um arbusto chamado Hermesia castomifolia, que compõe um novo genero da familia das Euphoribas. Algumas palmeiras finas e espinhosas que os Espanhoes chamão— Peritu e Corozo—o que são talvez especies de Marthinesia ou Bactris, estão collocados immediatamente por traz desta palinoda; o todo parece a uma cerca feita como aquella de nossos jardins. Nestas sebes estão abertas a grandes distancias uma das outras—aberturas em forma de postas, sem duvida alguma forão grandes quadrupedes da floresta que abrirão estes buracos para chegar commodamente a margem do rio. De madrugada e ao por do sol se vė sahir o Tigre americano, o Tapir, e o Pecari ou porco mosqueado (Dicotyles) que vão dar de beber a seus filhos. Se pertubados pelos indios que passar em alguma canoa, elles querem tornar a entrar na floresta, não buscão quebrar violentamente a sebe de Souso, mais temos o prazer de ver estes animaes selvagens avançarem a passos lentos em um espaço de quatro centos a quinhentos passos, entre o rio e a sebe, e desaparecerem pela primeira abertura. Durante setenta e quatro dias, empregados quasi sem interrupção a percorrer, em uma estreita canoa, o espaço de seis centos e trinta legoas, no Orenoco, a cujas fontes quasi chegamos, no Cassiquiare, e no Rio negro, o mesmo espectaculo se nos offereceu em muitos lugares differentes; e posso dizel-o, sempre com um encanto novo. Se vè vir em grupos especies de animaes os mais diversos, que vão as bordas do Rio para bebér, passearem ou banharem-se; os garços de cores vivas, os Palamedios, e socós de marcha altiva, (Caas alutor Cras por auxi) vão em companhia dos grandes manuniferos. «Es como en el paraiso» dizia com unção nosso piloto, um veindio que tinha sido creado em casa de um frade. Mas a paz da idade d’ouro não reina no paraiso dos animaes americanos; elles se separão, se observão, e se evitão; as capivaras, de trez a quatro pés de tamanho, reproducção colossal do Cabiai brasileiro (Cavia Aguti) são devorados nagua pelos Crocodilos, e pelo tigre em terra, e correm tam pouco, que muitas vezes encontrando-os em rebanhos numerosos podemos perseguil-os, e apanhar alguns delles. (Continua.) Vida nocturna dos animaes nas florestas do Novo Mundo por Humboldt. (Continuado do n. 22.) A baixo da missão de Santa Barbara de Archuna, passamos a noite como de ordinario debaixo da abobada do céo, depois de haver escolhido, as margens do Apuré, uma planicie arenosa que ia unir-se a pequena distancia, á orela da espessa floresta. Tivemos dificuldade em achar páus seccos, para accender fogos, com que segundo o costume do paiz, se cercão os bivonaes (acampamentos) afim de os perservar dos attaques dos Jaguaraes. A noite estava fresca e esclarecida pela lua. Muitos crocodilos se aproximavam das margens do rio; notei que a vista do fogo os attrahe, do mesmo modo que aos nossos caranguejos e muitos outros animaes aquaticos. Os remos dos barcos foram solidamente enlincados na terra, e nelles prendemos as redes. Reinava profundo silencio, apenas de vez em quando se ouvia o ronco dos delphins d’agua doce que vagavam em grandes grupos. Estes animaes habitam exclusivamente as correntes dos rios do Orenoco, e segundo Colebrook, o Ganges até Benarés. Era mais de onze horas quando começou na floresta visinha, um alarido tal que foi impossivel dormir mais o restante da noite. Toda a balça retenia com gritos selvagens. Entre as vozes memorosas que se mesclavam neste concerto, os indios apenas podiam reconhecer aquellas que, depois de uma curta pauza, começavam sós a se fazerem ouvir. Eram gritos guturaes e monotonos das guaribas, vozes queixosas e aflautadas dos pequenos Sapajons (macaquinhos) os roncos do macaco dorminhoco (Nyctipithecus trivisgatus) de que fui eu o primeiro que dei a descripção; urros entrecortados do grande tigre da America; do Conguar ou lião sem juba, do Pecari ou porco do matto, da preguiça, e de uma multidão de papagaios, de Parraquas (Ortalida) e outras gallinaceas. Quando os tigres avançavam para o limite da floresta, nosso cão, que antes rosnava sem cessar, buscava uivando um refugio em nossas redes. Algumas vezes o rugir do tigre descia do alto das arvores; era então sempre acompanhado dos gritos agudos e queixosos dos macacos que se esforçavam em escapar a este perigo novo para elles. Se alguem pergunta aos indios o que, durante certas noites, produz este tumulto continuo, respondem rindo, que os animaes gostam de ver a lua esclarecer a floresta, e que elles festejam a lua cheia. Quanto a mim, a scena parece provir de um combate empunhado por acaso, e que se prolongava com um encarniçamento sempre cressente. O Jaguar persegue os catatús e as antas, e estes animaes, estreitamente unidos, quebram a palissada de arbustos que põe obstaculo a sua fugida. Espantados desse ruido, os macacos do cimo das arvores misturam seus gritos aos dos outros animaes; desputam as familias de passaros empoleirados em sociedade, e assim, pouco a pouco, todo povo animal se põe em alvoroço. Uma mais longa experiencia nos ensinou que não é sempre, devidamente, «a celebração da lua cheia» que perturba o repouso dos animaes. Era durante os violentos aguaceiros que os gritos se tornavam mais estridentes, ou quando no meio de estampido dos trovões os relampagos illuminavam o interior das florestas. O virtuoso franciscano que, inda que soffrendo febres a muitos mezes, nos acompanhou atravez das cataratas do Ature e Maypuré até S. Carlos no Rio Negro, perto da fronteira do Brasil, costumava dizer ao cahir da noite, quando receiava uma tempestade. «Possa o céo conceder-nos uma noite tranquilla bem como aos animaes selvagens da floresta.» A scena que aqui traço e que se reproduzio muitas vezes por nós, offerece um contraste singular com a calma que reina sob os tropicos na hora do meio dia, nos dias em que o calor é excessivo. Recorrendo de novo ao jornal, de que já fallei, referirei ainda uma scena do lugar em que o Orenoco se estreita e abre caminho atravez da parte oscidental dos montes Parima. O que nesta notavel passagem, se chama uma garganta (Augestura del Baraguan) é uma bacia que não tem menos de cinco mil tresentos e quarenta pés de largo: Se exceptuar-se algum velho tronco dessecado de Aubletia (A priba Tiburbu) e uma nova especie de Apocineo (Allamanda Sallicifolio) apenas se pode achar sobre a rocha algumas plantas exoticas de cores prateadas. Um thermometro, posto a sombar, mas a algumas polegadas apenas da massa granitica que se elevava dos rochedos escarpados, marcava, mais de 40° se via, como uma especie de mirage, flotuar os contornos de todos os objectos longiquos. Nenhum sopro agitava a arèa poeirosa que cobria o solo. O sol estava em seu zenith; a luz que derramava sobre o rio, e que as aguas apenas agitadas despediam deslumbrante, fazia inda melhor perceberse as nuvens ardentes que envolviam o horisonte. As pedras nuas e arredondadas, e todos os pedaços de rocha estavam cobertos de um numero infinito de Iguanes de espessas escamas; de Jeckos e Salamandras mosqueadas, que immoveis, com a cabeça levantada e as fauces abertas, pareciam aspiras com delicias o ar abrasado. Os grandes animaes se ocultam a esta hora no amago das florestas, os passaros procuram os arvores copadas e as fendas dos rochedos; mas se durante a calma apparente da natureza, se prestarmos ouvi- dos aos sons quasi imperceptiveis, aleançar-se-ha a superficie do solo ou nas camadas inſeriores do ar um ruido confuso produzido pele murmurio e zumbido dos insectos. Tudo annuncia um mundo de forças organicas em movimento. Em cada tojo, na cortiça fendida das arroses, na terra que os Hymenoteros escavāo, a vida se agita e se faz perceber: é como uma das mil vozes com que e natureza falla a alma compassiva e sensivel do homem. Humboldt. (Liberal Pernambucano.)